quarta-feira, 17 de agosto de 2016

"A importância da Perpetuação da Memória Coletiva: O uso da Epigrafia nos monumentos e documentos egípcios, com o intuito de eternizar acontecimentos memoráveis de sua História" - Amanda Martins Hutflesz - 2016



"A importância da Perpetuação da Memória Coletiva: O uso da Epigrafia nos monumentos e documentos egípcios, com o intuito de eternizar acontecimentos memoráveis de sua História"

Amanda Martins Hutflesz
 
POR AMANDA HUTFLESZ  - PETRÓPOLIS - 2016
(...)
4.      A Literatura Funerária no Egito
   
            O estudo acerca da memória perpetuada pelos rituais funerários da religião no Antigo Egito é algo bastante amplo, e poderá ser sempre auxiliado pelas informações contidas no Livro dos Mortos, o qual data da XVIII Dinastia, e sua relação com os processos da mumificação, com os deuses da morte, seus cultos, oferendas e o papel dos sacerdotes no ritual. Onde tudo era pensado com o propósito de permitir que o morto, encontrasse com segurança, um caminho para a vida após a morte, sendo necessária a preservação do seu corpo, eternizando sua alma, sua lembrança, para o momento no qual, a alma voltaria a habitá-lo. 



A literatura funerária talvez seja um dos mais fascinantes aspectos do qual podemos tratar neste artigo. Este imaginário místico e exótico sobre vida após a morte, vida eterna, uma maneira singular de tratar o morto através da prática da embalsamação, as preces e fórmulas mágico-rituais empregadas pelos sacerdotes visando auxiliar o morto em sua chegada no outro mundo, com direito ao julgamento da alma dentro de um tribunal específico, os diversos deuses cultuados por um povo que vivia em meio ao politeísmo.

                                                                                                                                       

De acordo a tradutora da obra Edith Negraes (1982): “[...] uma conseqüência natural do culto aos mortos, seria oferecer a eles, para sua vida eterna, tudo de que necessitariam, já que onde viveriam – nas tumbas – não encontraria meios de sobreviver”.



É preciso focar tal cultura, tendo atenção naquilo que está nas entrelinhas de suas práticas e rituais. Pois, este povo estava visando sempre, uma perpetuação de sua alma e de seu corpo, o qual sendo conservado alcançava também, a imortalidade. Uma permanência da sua lembrança, da sua memória e, de tudo o que representou sua sociedade no passado, nos primórdios, ultrapassar o tempo, ser imutável na lembrança do mundo contemporâneo.



A tradição é biologicamente tão indispensável à espécie humana como o condicionamento genético o é às sociedades de insetos: a sobrevivência étnica funda-se na rotina e progresso, simbolizando a rotina o capital necessário à sobrevivência do grupo, o progresso, a intervenção das inovações individuais para uma sobrevivência melhorada. A autora (Apud BAKOS, 2005: p. 271-281) colabora com sua visão a respeito dos obeliscos e sua utilidade para este povo, neste período histórico, buscando imortalizar sua história, escrevendo os acontecimentos no monumento para manter viva sua importância mediante o futuro, apesar da passagem do tempo.

           

Assim, apoiados nesta leitura, pensamos que o obelisco transmite, na sua reutilização por uma grande duração através da história, um sentido compreendido para aquilo que escreve apenas. Ele encerra o caráter de preservação da memória de poder sobre a existência de perpetuação. Pois, sabemos que a escrita hieroglífica desapareceu após a invasão dos gregos, e também, a sua existência mítica (BAKOS, 2005).



Diversos ritos eram realizados antes do sepultamento, dentre eles a cerimônia de abertura da boca do morto, que era feito com um instrumento metálico.  Enxó de UPUAUT “aquele que abre os caminhos” (do morto). A abertura da boca servia para a múmia recuperar os sentidos e digerir o alimento necessário na viagem para o além ou para a fonte original de vida. Havia o tribunal de Osíris, e este tribunal do juízo final era presidido pelo mesmo deus, e ocorria na sala das duas verdades, onde o deus Anúbis pesava o coração do morto para constatar os pecados cometidos em vida. Assim, quando o coração do morto era mais leve que a pluma da verdade (Maat), seu dono viveria para sempre. Caso contrário, o coração era jogado para o monstro Amit “o devorador dos mortos”. Osíris está acompanhado pelas irmãs, Ísis (esposa) e Néftis.



            Nomes eternos, estátuas eternas, caixões eternos, papiros, amuletos, roupas, monumentos, imagens, colossos, pirâmides. Os egípcios estavam sempre “seguros de que a vida não acabava na terra”, e, contudo isto, “No Egito Antigo, a alma era imortal e de natureza divina, pois mesmo depois de separada do corpo continuava a vive, viajando para a eternidade. [...] o morto precisava para sua viagem, de uma boa dose de conhecimentos mágicos [...]” (NEGRAES, 1982).



Quando mencionamos os povos antigos e sua beleza, riqueza cultural, desenvolvimento, uma das principais grandes civilizações que nos vêm à memória, inevitavelmente é o Antigo Egito. Suas variadas tradições e concepções sobre a construção de uma memória eterna, seus escritos feitos para a posteridade, seus monumentos erguidos com um intuito de perpetuar a lembrança de tudo o que foi esta civilização. O caráter de imortal, de permanência, de renovação, de grandiosidade, de durabilidade é constantemente percebido nos seus documentos e nos seus monumentos.



A partir deste recorte feito na obra de Le Goff, (1989) é mais fácil perceber o objetivo da perpetuação da memória para os Antigos egípcios. Momentos de guerra e de vitórias envolvendo a realeza da época precisavam ser imortalizados de alguma forma, e servindo de lembrança para os povos da posterioridade. “A especificidade do monumento [...], Tem, portanto, a finalidade de manter ou preservar também a identidade mágica, religiosa, nacional, tribal ou familiar de um grupo”. O autor ressalta que, “A outra forma de memória ligada à escrita é o documento escrito num suporte especialmente destinado à escrita […] Mas, importa salientar que [...] todo documento tem em si, um caráter de monumento e não existe memória coletiva bruta.



Explicando melhor o Deus da escrita dos antigos egípcios, Thot, Le Goff (1989: p. 433) diz que: “[...] a lenda do Deus egípcio Thot, patrono dos escribas e dos funcionários letrados, inventor dos números, do cálculo, da geometria a da astronomia, do jogo de dados e do alfabeto.”



Em geral, para os reis do período faraônico, a estabilidade do reinado dependia de certas tradições religiosas e militares caminharem juntas. Cultuando sempre seus deuses, e vivendo através do ideário que dizia aos reis que, para que eles tivessem sucesso na vida em geral, era sempre necessário manter um equilíbrio da ordem cósmica, buscando agir na terra de forma ética para seu povo, usando de justiça, equilíbrio, ordem e verdade, priorizando em seu cotidiano, obter êxitos na parte social, política, cultural econômica, pessoal, religiosa. 



Era preciso assim, escrever tudo, registrar em documentos, calcular, gravar tudo em rochas, papiros, livros, principalmente os seus nomes. Sua crença na eternidade dos nomes de poder era ampla.

Neste tipo de documento, a escrita tem duas funções principais: “Uma é o armazenamento de informações, que permite comunicar através do tempo e do espaço, e fornece ao homem um processo de marcação, memorização e registro; a outra, ao assegurar a passagem da esfera auditiva à visual, e permite reexaminar, reordenar, retificar frases e até palavras isoladas.” (GOODY, 1977)





O autor J. Goody (Apud GOODY, 1977: p. 78), escreve em seu livro que: “A comunicação da informação, que ultrapassa espaço e tempo, o que em conformidade foi sempre utilizado no imaginário cultural dos antigos egípcios.”

           

Nomes estes, ficando esculpidos em pedras, deixando transparecer, através das imagens desenhadas nos monumentos, o quanto eram nobres, bons, justos, fortes, imortais.

                                  

Uma lembrança sempre durável, de algum fato que foi marcante para a realeza, e também para a civilização, e que estava relacionado ao poder do homem/rei/faraó para se eternizar mediante à futuras gerações. Mostrando nas imagens das guerras, das batalhas, das comemorações, dos ritos funerários, das colheitas, das festas, como era possível se viver para sempre. Ser eterno, imortal, perpétuo, ultrapassando tempo e espaço, era, para a maioria deste povo, algo fundamental.



E, eles conseguiram nos deixar claramente esta memória, pois preservaram suas vidas até hoje, seus nomes, seus hábitos, seu modus vivendi, em monumentos e documentos. Em seu artigo, Regina Martins de Souza (HEINS, 2001: p. 1-2) nos explica que:



            [...] no período que chamamos reino médio – 2040 a 1640 a.C., a literatura funerária principiou a ser uma idéia socialmente difundida, pois manifestava a visão de mundo egípcia na época, e que também, acabavam por dar sustentação às crenças nos encantamentos e na existência real e concreta de uma vida após a morte.



Em uma posterior análise deste recorte extraído da obra deste autor (Apud DAUMAS, 1965: p. 579), compreendemos, da mesma forma que:

           

Mais tarde os soberanos fazem redigir pelos seus escribas relatos mais detalhados dos seus reinados dos quais emergem vitórias militares, benefícios da sua justiça e progressos do direito, os três domínios dignos de fornecer exemplos memoráveis aos homens do futuro. No Egito, parece, desde a invenção da escrita (um pouco antes do início do III milênio) até o fim da realeza indígena na época romana, anais reais foram redigidos continuamente. Mas o exemplar único, conservado em frágil papiro desapareceu. Só nos restam alguns extratos gravados na pedra.



No Livro dos Mortos do Antigo Egito, percebemos melhor as crenças religiosas dos Antigos Egípcios. Eles nos mostram que, para eles, o corpo era uma manifestação da alma, e ambas deveriam sempre estar ligadas, mesmo no outro mundo. Sendo assim, muitas eram as técnicas de embalsamação acompanhadas das práticas religiosas, as quais desenvolvidas para obter êxito no momento do ritual funerário, indicando para a alma do morto, o caminho mais rápido para sua transfiguração no além. Inclusive, tais técnicas foram também sendo cada vez mais refinadas com o passar dos séculos, conforme a exigência dos faraós e sacerdotes.



Os textos dos sarcófagos são exemplos nítidos de uma memória que chegou até a atualidade. Todos os escritos neles contidos visam difundir alguma idéia acerca da passagem do morto para a outra vida. Representam fórmulas mágicas que, junto com todo o ritual funerário, possibilitava ao defunto, sobreviver no mundo subterrâneo, para posteriormente, encontrar o caminho da luz.



            Entendo o próprio Livro dos Mortos como uma construção da memória funerária desta civilização, feita para a eternidade. E o Livro, foi um lugar onde esta memória se perpetuou para que outros povos pudessem ter acesso, e mesmo outras gerações que iriam, no futuro, habitar o Egito.









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